20 janeiro 2012

As meninas do crack

A incompetência, a omissão e a negligência dos governos federal, estaduais e municipais em relação a alguns problemas do nosso cotidiano é algo que impressiona. A facilidade no comércio de armas e drogas, com destaque para o crack, é um destes casos.

Penas são diminuídas e criminosos de alta periculosidade voltam às ruas porque as autoridades de segurança não conseguem administrar a população carcerária; proíbe-se que pessoas e veículos permaneçam sobre bueiros porque, apesar das ameaças feitas sob os holofotes da mídia, o poder constituído não consegue se impor diante da omissão criminosa das empresas concessionárias de serviços públicos; criam-se faxinas em áreas normalmente utilizadas por viciados em crack, o que faz com que eles se dispersem e passem a perambular como zumbis pelas ruas, sem uma forma adequada de tratamento. Varremos a sujeira para debaixo do tapete.

Em "Crack: a epidemia da vez" e "Crack: um problema de saúde pública", o Dando Pitacos tentou dar uma ideia da gravidade do problema, o que não é tarefa das mais fáceis, já que a sociedade parece ainda não ter acordado para o tema, e se o fez, não vem lhe tem dado a importância devida.

Como sou persistente, volto ao assunto, chamando sua atenção para aquela que me parece a personagem mais vulnerável dessa tragédia cotidiana: a mulher, principalmente a mais jovem.

Cheguei a essa conclusão depois de ler "O tratamento do usuário de crack", da Editora Artmed. A obra, que tem 664 páginas, foi organizada por Marcelo Ribeiro e Ronaldo Laranjeiras, e aborda a dependência química do crack, uma ameaça à saúde, ao bem-estar e ao futuro, especialmente dos mais jovens. O livro traduz uma parte das atividades do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas - Inpad, um dos 122 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia coordenados pelo CNPq, em articulação com o Ministério da Ciência e Tecnologia e vários outros Ministérios e agências federais e estaduais, e deveria ser lido por todos nós, mas principalmente pelos políticos e autoridades responsáveis pela segurança e saúde de cada Estado da Federação. Em 47 capítulos, especialistas abordam os mais diversos aspectos que envolvem a discussão sobre a pedra maldita, detalhando sua história, formas de diagnóstico, epidemiologia, tratamento, etc.

Foi graças a ele que passei a compreender um pouco melhor a situação em que hoje se encontram as jovens envolvidas com a droga. A maioria delas troca o sexo por pedras de crack. A imaturidade e inexperiência próprias da adolescência são potencializadas pelo vício. Muitas engravidam e sequer sabem quem é o pai de seus filhos. Vivem sem qualquer suporte emocional e social, e não raro, sequer chegam a estabelecer um vínculo afetivo com o bebê. É uma tragédia coletiva que a sociedade precisa enfrentar. Essa situação fica evidente no capítulo em que a pesquisadora Solange A. Nappo explica que o próprio traficante, quase sempre, é o primeiro "cliente" das meninas. É uma espécie de condição para a aquisição da droga.

Se tudo isso não bastasse, o uso do crack durante a gravidez quase sempre acarreta sérios problemas, como o descolamento da placenta, falta de oxigenação, retardo do crescimento, baixo peso no nascimento e até a morte da criança. Muitos bebês são prematuros e acabam abandonados pelas mães nas maternidades, situação que piora a cada dia.

Além de uma excitação fora do normal, os recém-nascidos choram muito, sinal de que a droga chegou ao cérebro e pode ter provocado alterações de desenvolvimento, o que infelizmente só pode ser confirmado anos depois, quando a criança começa a vida escolar.

No comércio comum do corpo, a prostituta geralmente exige o uso da camisinha, o que já não acontece com as meninas do crack, que em função do vício não têm esse poder de barganha nem a capacidade de discernimento, principalmente quando estão sob efeito da droga. Por ignorância, quando conseguem lembrar-se das doenças sexualmente transmissíveis, algumas delas dão preferência ao sexo oral, que entendem menos arriscado, esquecendo-se de que o cachimbo usado junto com droga pode causar ferimentos nos lábios, na garganta e na mucosa bucal, o que potencializa a possibilidade de infecções. Fazem sexo na rua, expondo-se a todos os tipos de violência, constrangimentos e humilhações, o que já não é importante para quem perdeu a dignidade, a identidade humana e vive como um zumbi.

Para a maioria delas, o sexo é a única forma de conseguir a droga:

- É só se prostituindo. É o jeito que mulher consegue crack. A gente sai na rua pra isso. Acaba de fumar, já pensa no programa pra conseguir mais grana. Faz programa e pensa em fumar... e é assim a nossa vida.

O problema é insolúvel ou falta vontade política? Será que um país como o nosso, que se gaba de emprestar dinheiro ao FMI, não tem recursos para cuidar destas pessoas? Será que o destino delas não interessa a ninguém? E os seus filhos? E os nossos filhos, que amanhã podem viver a mesma situação? Ou será mais fácil, como dito no início da postagem, empurrar a sujeira para baixo do tapete? O que você acha deste triste capítulo da miséria humana semeada pelo crack?



Sobre o Autor:
Carlos Roberto Carlos Roberto de Oliveira é advogado estabelecido em Nova Iguaçu - RJ. A criação do Dando Pitacos foi a forma encontrada para entreter e discutir assuntos de interesse geral.

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